quarta-feira, junho 22, 2011

Retorno à vida

As lágrimas corriam seu rosto cansado, como se elas se jogassem de um abismo. Talvez ela chorasse para ter essa sensação de quase morte, pois a vida andava no limite. Selma era uma mulher de aproximadamente 50 anos, dois filhos e viúva. Ela vivia sozinha, seus filhos casaram-se e mudaram de cidade. Contudo ela habitava bem na companhia da solidão. Mas, às vezes, chorar era uma forma de se salvar do que, ela ainda não sabia. 
 
Sua atividade para observar o tempo passar era organizar eventos. Ela pegava encomendas de festas e ajudava organizá-las. Porque organizar festas era um tipo de solidão assistida e amenizava o sofrimento, porque ela se reconhecia nos freqüentadores de um evento. Selma quase não esperava mais nada da vida, pois os filhos já estavam criados, além do trabalho de organizar festas ela tinha uma boa pensão do marido. E assim vivia de bem com o tempo. Porque para ela o tempo tinha uma justa medida: não adiantava demais e nem era moroso. A rotina era desta forma uma aliada para tudo não se tornar tão tedioso. Porque a rotina pode não ser tediosa se você a encarar de forma amiga. 
 
Selma precisava de um entregador para ajudá-la nas entregas das suas encomendas. Uma amiga indicara José, moço de aproximadamente 22 anos, moreno, alto, olhos castanhos e apesar da pouca idade uma aparência um pouco cansada, ele era casado e tinha uma filha de dois anos e precisava realizar alguns trabalhos extras para sustentar a casa. Selma ligou para José e combinaram de se encontrar para conversarem sobre o trabalho. Marcaram às 9h30 de uma manhã ensolarada no mercado municipal. Selma disse que o esperaria no café. 
 
- Oi. Disse ele. Ela estava sentada de vestido florido e apreciando um café. Selma era bem jovem pela idade, morena, olhos expressivos e carinhosos, voz doce e aveludada, corpo curvilíneo. Era uma bonita mulher. 
 
- Olá. Bom dia! Você é o José? 
 
- Sim. Respondeu o moço timidamente.

Selma sorriu, pediu para o rapaz sentar-se e explicou tudo para ele sobre o trabalho. Ele aceitou e começou no mesmo dia. 
 
A amizade entre os dois foi crescendo. Selma estava ensinando inglês para José nas horas vagas. Ele a lembrava o filho, mesma idade. Porém não era como filho que ela se interessava por ele. Era outro tipo de amor. Na verdade, ela andava espantada consigo, porque não esperava sentir este tipo de calor, fora o calor da menopausa. Contudo ela calava-se e o amava no seu silêncio e tempo. 
 
José se apegara tanto a Selma que muitas vezes mesmo não tendo mais trabalho ficava sentado na área da casa de Selma admirando-a escrever, ler. O rapaz achava bonito a forma que ela se dedicara as letras. Isso o encantava de uma forma singular e ele não compreendia o motivo. Mas sabia bem o que sentia...

Eram 14h e Selma esperava ansiosamente José chegar da entrega. Era dia de acertar com ela. Ela o esperava inquieta porque gostava de paga-lo pelos seus serviços e de observar a expressão de felicidade do moço quando recebia seu salário. Aquilo lhe proporcionava uma felicidade secreta, quase indescritível. Depois do José a vida de Selma não parecia tão solitária. Contudo ela se incomodava em sentir tal sentimento por um homem da idade do seu filho. A campainha tocou e ela correu para atender a porta. 
 
- Nossa! Você demorou. José. Estava preocupada. Disse ela não conseguindo esconder sua comoção ao ver o moço.

-Tive que passar em casa. Minha mulher precisava falar comigo. 
 
-Está tudo bem? Perguntou ela, mas na verdade querendo ouvir que não estava. 
 
- Está sim. Na verdade não sei...Algo mudou depois de você, Dona Selma. Ele a fitou com desejo.

- Como assim? Perguntou ela com vontade de se jogar nos braços dele. 
 
- Não posso mais trabalhar aqui. Disse ele engolindo seco.

Ela chorou e disse:

-Por quê? Como se suplicasse uma explicação.

-Porque eu a amo, mas também amo a minha família. Não dá. Ela sorriu e disse:

-Depois de você a minha vida não é uma fraude. Ela tem um sentido. Vejo sentido para me levantar todos os dias. E agora...o céu tem um motivo. A existência não precisa de explicação diante de ti. Ele chorou copiosamente e soluçando disse:

-Eu preciso ir. Saiu batendo o portão. Ligou a motocicleta e ronco do motor foi implacável. Ela apertou os dedos e agradeceu ao acaso por momentos tão surreais. E sorriu.

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