sábado, outubro 13, 2012

A Paixão Segundo GH e DB



Uma mulher burguesa faxina o quarto de serviço de sua casa, na ausência de sua empregada, e na limpeza do cômodo encontra uma barata. Num ato de repulsa e medo, tenta matar o inseto espremendo-o contra a porta. Todavia o inseto não morre: AGONIZA entre a vida e a morte. E é observando esse sofrimento que a mulher, de pseudônimo GH, mergulha em si: no mais fundo de seu âmago. 

A paixão Segundo GH é narrada em primeira pessoa promovendo um diálogo desvairado, quase surreal, entre GH e o leitor. E eu como leitora, confesso e assumo: deixei GH num monólogo algumas vezes durante nosso papo, talvez por medo de ser a barata...Talvez...Mas fiz isso. Engraçado como a (des) interação acontece na obra naturalmente...



Clarice a escritora do singular e que pensava sobre coisa e é sobre coisa que Clarice escreve sempre. “ Coisa contra coisa – é assim, no fim das contas que o mundo funciona...A Diferença entra a barata e mim: O que nela é exposto é o que em mim escondo”. 

GH descobre na agonização da barata  sua existência e tem noção de si naquele bicho que é mais olho que boca... A gosma que sai da barata, por vezes é nojenta, e noutras a única salvação da alma. De algo para se tornar inumana. E GH  para se resgatar decide comer a gosma branca e cremosa do bicho quase morto, como se neste ato compartilha-se toda a vida e a existência do universo. Nesse momento, considerado nojento, ela descobre a vida. Bonito e estranho isso, né? Mas real...

Na obra, a escritora deixa claro também que o não dito é o que não sabemos de nós. Porque quando sabemos: dizemos. E nesta linha fica claro durante a obra que o articular da boca, o dizer e o não ouvir não é falta de interesse ou amor. O problema é que as pessoas quase dizem nada e os escritores quase não têm nada a dizer... só a escrever...

Durante a narrativa de Paixão segundo GH, a personagem diz que vê em si mesma  o inferno. “ Eu via que o inferno era isso: a aceitação cruel da dor, a solene falta de piedade pelo próprio destino, amar mais o ritual da vida que a si próprio – esse era o inferno, onde quem comia a cara viva do outro espojava-se na alegria da dor...Somos livres, e este é o inferno. Mas há tantos baratas que parece uma prece” 



E é a noção existencialista de inferno que faz a personagem compreender que está no seu limite enquanto humana e esse mesmo inferno a faz perceber que a barata, uma barata, é maior que ela ou toda a humanidade, porque ela se entrega à vida, ao natural. A barata nasce, cresce, reproduz e não tem noção de sua finitude. Vive apenas. É como se ela nunca descontiuasse de ser...E para ter noção de si, ela teve que ir no inferno e descobrir que a barata é a vida. 

E assim GH sentiria falta do que ela deveria ser. Assim como eu – mera leitora- também sinto...do que eu deveria ou poderia ser e não sou. Talvez este livro de pensamento de coisa, seja literatura ou filosofia, ou os dois. Mas compreendi que conceituá-lo é burrice... Pode ser até bruxaria, afinal nem Clarice queria ser classificada como escritora. Também penso que metade dos professores de literatura  não conseguem sentir a essência dessa obra, a qual é  cheia de paixão, mesmo na gosma da barata. Compreendi que essa leitura depende exclusivamente de sentimentos e por isso que impô-la aos alunos é burrice demasiada. Nada mais. 

Clarice cada vez mais transparente para mim... e nada de hermética ou pedante. Escritora ou não, bruxa ou só mulher... é ela que fala ao coração e consegue transformar em nós o que anos de terapia não mudaria. 

É nessa descoberta da vida na morte que a GH morre e da vida a DB. 
“...Mas é a mim que caberá impedir-me dedar nome à coisa. O nome é um acréscimo e impede o contato com a cosa. O nome da coisa é um intervalo para a coisa. A vontade do acréscimo é grande – porque a coisa nua é tão tediosa...”

Um comentário:

Anônimo disse...

Daninha,

Eu tentei ler esse livro e não consegui, achei difícil e não entendia nada. Desisti. Na verdade a única obra da Clarice que entendi foi a hora da estrela. Tentei ler essa que vc descreve e perto do coração selvagem, as duas parei na página 5.
O legal é que vc relatando essa leitura com sentimento, me deu uma bruta vontade de reler a obra. Estranho como vc tem esse dom de fazer a gente ter vontade de ler algo, que em tempo remoto não fez sentido. Vc me deixou curioso para ler em outro momento e com o coração.
Vc é demais, mocinha! Adoro te ler. Adoro as sensações que vc proporciona a todos.
beijos do Jú