O dia cinzento revelava de
modo assustador a alma daquela moça, superlativa, apaixonada e desesperada. Ela
o esperava com as mãos nos bolsos do vestido florido. As mãos escondidas para
tentar escapar da crueldade que o tempo a submetia: a ação de esperar, a qual
nunca foi ação. E sim uma espécie de prisão de estado. Ela tinha um olhar
desencontrado com a paisagem urbana e repetia para si mesma: não se brinca com
o amor. Porque o amor pode ser violento, pode ser fatal. Não se brinca com
amor. O que é o tempo? Além de uma convenção idiota para nos machucar mais, nos
prender e nos tornar apenas seus visitantes, nada mais. Não se brinca com o
amor. Ela apertava forte as mãos nos bolsos segurando o pano do vestido como se
com este gesto conseguisse manter certo
controle sobre si. De fato, se ela fosse crer em tudo que pensava, estaria
louca. Perdidamente louca. Docemente louca. O silêncio da espera deixava claro
que não havia mais silêncio o bastante que aquele da espera. Ela apertou tão forte
o pano que beliscou suas pernas. Era ele.
- Oi. Disse ele sem jeito e
com um sorriso amarelo.
- Não se brinca com o amor.
Disse ela de maneira agressiva exteriorizando toda sua dor.
- Calma. Disse ele de forma tranqüila
e acendeu o cigarro. Quer fumar?
- Eu não fumo. Eu não como.
Eu não bebo. Eu não falo. Eu não choro. Eu não durmo. Eu não ajo. Eu só sou
substantivos e termos acessórios depois que você me deixou. Sempre soube que o
abandono era inevitável. Sempre. Mas sinto fome do teu corpo. Como se esse
fosse o único alimento possível.
- Você é exagerada. Disse
ele entre uma tragada e outra. Foi exatamente esse seu exagero que me fez te
deixar. Tragou novamente e continuou a falar de maneira compulsiva: Não existe
o possuir, mas você me possuía e me asfixiava. Sentia que iria morrer se
continuasse contigo. Ou que iria te matar. Não sei. Sei que não havia mais
respeito. Sei que você me convencia a tantas atrocidades e eu deixava-me ser
colonizado e seguia tuas vontades por te amar demais. Mas se continuasse a
tragédia seria inevitável e não o abandono. Você não entende?
- Você é covarde e não tem
forças para me amar. Não tem forças para nada. Sabe é nas paredes do meu quarto
entre o desespero e o tédio que eu grifo teu nome diariamente. É lá. Em todos
os lugares daquele pequeno apartamento que está sua voz perambulado, como fantasma, pelos
cantos e me atormentando. Você tem noção da carga emocional que deixou só para
mim? Você não passa de um egoísta. Disse ela aos prantos e aos gritos.
Ele acendeu outro cigarro e disse. Sou covarde e egoísta, admito. Estar com você
me levaria à morte. E por isso, por perder tudo. Separei-me de tudo. Pelo
absurdo de te amar sem controle. E eu gosto de ter controle. E ele começou a chorar compulsivamente.
Ela sorriu de forma doce e disse:
- Você está sentindo este vento frio? O vento geme e até grita. Escute.
- Sim. Algo está muito gélido e parece o ar. Algo grita aqui. E
apontou para o coração. Respondeu ele com um olhar triste e arrependido. E
tragou mais uma vez, como se fosse seu ultimo suspiro pressentido.
- Então você,
agora, sabe o que é a saudade. Agora estou em paz. E
disparou três tiros à queima roupa no rapaz. Sorriu e saiu repetindo: Não se
brinca com o amor. Não se brinca com o amor.
4 comentários:
É proibido matar as pessoas de paixão. Caracas. Vc é totalmente apaixonante. Conto belissimo.
Daninha da fitinha, vulgo bebê Dani.
Que texto denso e lindo. Como vc escreve bem. Agora fica um peso.
Você genial, daninha!
Te adoro e estou com saudes.
beijos do seu leitor número 1,
Júnior
A trilha sonora de hoje ta 100. Estou me tornando leitor fiel deste blog.
abraços
'Sei que você me convencia a tantas atrocidades e eu deixava-me ser colonizado e seguia tuas vontades por te amar demais.'
'Não se brinca com o amor.Não se brinca com o amor.'
Está em paz e dá 3 tiros. Que paz! Olha a insanidade que o amor traz hem... qto desequilíbrio por amar demais.
Daniela, esse conto acho q é um dos melhores q li na minha vida. é tão intenso, dramático, trágico, poético. vc se superou.
poxa, não tenho mais o q dizer. linda sua poesia. linda vc.
bjos
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