quarta-feira, setembro 14, 2011

O último encontro

O dia cinzento revelava de modo assustador a alma daquela moça, superlativa, apaixonada e desesperada. Ela o esperava com as mãos nos bolsos do vestido florido. As mãos escondidas para tentar escapar da crueldade que o tempo a submetia: a ação de esperar, a qual nunca foi ação. E sim uma espécie de prisão de estado. Ela tinha um olhar desencontrado com a paisagem urbana e repetia para si mesma: não se brinca com o amor. Porque o amor pode ser violento, pode ser fatal. Não se brinca com amor. O que é o tempo? Além de uma convenção idiota para nos machucar mais, nos prender e nos tornar apenas seus visitantes, nada mais. Não se brinca com o amor. Ela apertava forte as mãos nos bolsos segurando o pano do vestido como se com este gesto conseguisse manter  certo controle sobre si. De fato, se ela fosse crer em tudo que pensava, estaria louca. Perdidamente louca. Docemente louca. O silêncio da espera deixava claro que não havia mais silêncio o bastante que aquele da espera. Ela apertou tão forte o pano que beliscou suas pernas. Era ele.
- Oi. Disse ele sem jeito e com um sorriso amarelo.
- Não se brinca com o amor. Disse ela de maneira agressiva exteriorizando toda sua dor.
- Calma. Disse ele de forma tranqüila e acendeu o cigarro. Quer fumar?
- Eu não fumo. Eu não como. Eu não bebo. Eu não falo. Eu não choro. Eu não durmo. Eu não ajo. Eu só sou substantivos e termos acessórios depois que você me deixou. Sempre soube que o abandono era inevitável. Sempre. Mas sinto fome do teu corpo. Como se esse fosse o único alimento possível.
- Você é exagerada. Disse ele entre uma tragada e outra. Foi exatamente esse seu exagero que me fez te deixar. Tragou novamente e continuou a falar de maneira compulsiva: Não existe o possuir, mas você me possuía e me asfixiava. Sentia que iria morrer se continuasse contigo. Ou que iria te matar. Não sei. Sei que não havia mais respeito. Sei que você me convencia a tantas atrocidades e eu deixava-me ser colonizado e seguia tuas vontades por te amar demais. Mas se continuasse a tragédia seria inevitável e não o abandono. Você não entende?
- Você é covarde e não tem forças para me amar. Não tem forças para nada. Sabe é nas paredes do meu quarto entre o desespero e o tédio que eu grifo teu nome diariamente. É lá. Em todos os lugares daquele pequeno apartamento que está sua voz perambulado, como fantasma, pelos cantos e me atormentando. Você tem noção da carga emocional que deixou só para mim? Você não passa de um egoísta. Disse ela aos prantos e aos gritos.
Ele acendeu outro cigarro e disse. Sou covarde e egoísta, admito.  Estar com você me levaria à morte. E por isso, por perder tudo. Separei-me de tudo. Pelo absurdo de te amar sem controle. E eu gosto de ter controle. E ele começou a chorar compulsivamente.
Ela sorriu de forma doce e disse:
- Você está sentindo este vento frio? O vento  geme e até grita. Escute.
- Sim. Algo está muito gélido e parece o ar. Algo grita aqui. E apontou para o coração. Respondeu ele com um olhar triste e arrependido. E tragou mais uma vez, como se fosse seu ultimo suspiro pressentido.
-  Então você, agora,  sabe o que é a saudade. Agora estou em paz. E disparou três tiros à queima roupa no rapaz. Sorriu e saiu repetindo: Não se brinca com o amor. Não se brinca com o amor. 

4 comentários:

Anônimo disse...

É proibido matar as pessoas de paixão. Caracas. Vc é totalmente apaixonante. Conto belissimo.

Anônimo disse...

Daninha da fitinha, vulgo bebê Dani.
Que texto denso e lindo. Como vc escreve bem. Agora fica um peso.
Você genial, daninha!
Te adoro e estou com saudes.
beijos do seu leitor número 1,
Júnior

Unknown disse...

A trilha sonora de hoje ta 100. Estou me tornando leitor fiel deste blog.

abraços

William Lima disse...

'Sei que você me convencia a tantas atrocidades e eu deixava-me ser colonizado e seguia tuas vontades por te amar demais.'
'Não se brinca com o amor.Não se brinca com o amor.'
Está em paz e dá 3 tiros. Que paz! Olha a insanidade que o amor traz hem... qto desequilíbrio por amar demais.
Daniela, esse conto acho q é um dos melhores q li na minha vida. é tão intenso, dramático, trágico, poético. vc se superou.
poxa, não tenho mais o q dizer. linda sua poesia. linda vc.
bjos