sexta-feira, abril 15, 2011

Conversa de Salão de Beleza

Eu bem que tento. Juro. Todavia há ambientes, nos quais eu me sinto, na maioria das vezes, um peixe fora d’ água: estrebuchando, pulando a cegas aos pés da morte iminente.  Porque, caso não me retirem logo do local o ar acaba e meu peito sufoca diante tanta dor. É, é assim e sem superlatividade, antes que digam que eu sou exagerada. Mas de fato existem sentimentos hiperbólicos habitando meu corpo e correndo na minha corrente sanguínea, contudo são eles que dão propulsão a minha coragem: escrever o que penso/sinto, sem amarras editoriais ou pré-conceitos morais. Talvez todas as minhas dúvidas sejam hiperbólicas e se assim for, viva Descartes! #duvidahiperbolica

Um local que me remete a sensação descrita acima é o salão de beleza. Tudo bem, eu sei. Fiz um acordo comigo mesma para tentar ser mais tolerante, para cuidar mais da minha aparência física. Eu sei. E tô tentando, mas confesso, não é fácil. Voilá:

Os papos >>>>> Geralmente, quando eu chego ao salão, mesmo com horário marcado,  tenho que esperar para ser atendida. Há uma sala de espera com sofá, revistas e muitas pessoas – na sua maioria: mulheres -. Retratarei alguns diálogos que presenciei:

- Ai, meu marido, disse que não gosta do meu cabelo loiro.
- Sério. Por quê?
-Ele diz que pareço mulheres de vila.

Ao ouvir isso meu coração começou a disparar, minhas mãos a suarem e o estômago a  enjoar. Duas mulheres tão preconceituosas assim causam danos irreversíveis ao meu corpo. Segurei minha boca, porque a minha vontade era dizer para ambas. Ei! Eu sou mulher de vila, qual o problema? Mas respirei fundo e continuei a ler meu livro, o qual me fazia sentir-me mais uma estranha no ninho, pois as leituras eram só de revista caras e contigo. Como se mulher só se interessasse pela cultura da futilidade. Isso já me estressa. Mas...Não parou por ai.

-A minha filha está com 8 anos. É uma graça. Educada. Já me ajuda no serviço doméstico.
- Que belezinha! Dará uma ótima esposa.
- Sempre brinco com ela que gostaria de ter uma filha muito linda ou muito inteligente. Linda para ter um bom casamento.

Por favor, alguém chama a polícia para a mãe acima. Olhe! Penso que o ela está fazendo com a filha, seja mais que um caso de policia. #gradicida Também senti vontade de voar no pescoço da muié, mas me contive.  Nota: eu odeio psicanálise, mas me rendo ao Freud: Uma mãe pode acabar com a vida de um filho. #fato Seguimos...

-Ai, vou para praia com meu marido.
-Sério? Quando?
- Semana que vem. Vamos tentar reatar o casamento.
-Que bom!
-É , eu não quero me separar, construímos muitas coisas juntos. Não deixarei para que ele dê para uma vagabunda qualquer.

Duas observações. Como resgatar o que está acabado. Senti pena é do marido dela. #fato Uma vagabunda qualquer é melhor que esta senhora que é uma prostituta da sociedade/moral e dos bons costumes. #ficaadica

- Gasto todo meu salário no salão, com roupas, só comigo e com mais ninguém. O meu marido que paga as contas de casa. Afinal, marido é para isso.
A outra ri e diz:
-Verdade. Precisamos nos valorizar.

Alguém, por favor, chame o Raul Seixas.  “Pare o mundo que eu quero descer” #TocaRaul  Alguém ensine para essas senhoras que a ação:valorizar é o contrário do que elas disseram. #gradicidaaoquadrado  #questaosemantica

- Minha empregada é tão burra.
-Falo com ela é não entende.
-Odeio essa gente. Fora que são tão intrometidas.
- A minha emprega ouve sertanejo o dia todo.
-A minha quer aumento o tempo todo. Isso é coisa daquele presidente analfabeto.

Stop, please! Que tô sem ar só de relembrar os diálogos. Primeiramente. Porque toda “senhora” da classe média utiliza excessivamente o pronome possessivo” minha/meu” com as trabalhadoras domesticas? Já repararam? Parece coisa de escravocrata: Minha empregada. Minha...minha... Terapia na classe na média, por favor. #gradicidanovamente Ninguém pertence a ninguém. #ficaadica  Prestar serviço não significa posse. E trabalho doméstico é digno como qualquer outra trabalho. E a senhora da classe média não é melhor que ninguém para tratar alguém com tanto desprezo, ok? Ah! E o presidente analfabeto – denominado assim pela sua mediocridade -, foi chamado de chefe por um dos maiores músicos e ativistas do mundo. Aqui
Neste momento sentia minha respiração ofegante e começou a me dar palpitação. E ouvi a pior do dia:

- Vc acredita que o filho negrinho da minha empregada estuda na mesma universidade do meu filho?
- Credo! Onde vamos parar.

Essa foi demais para eu me conter. A resposta veio naturalmente. Eu disse:

- Vamos parar num país mais justo, igualitário, onde todos terão as mesmas oportunidades e vocês terão que engolir, porque é daí que nasce a democracia. E racismo é crime inafiançável. Compreendem?(eu disse em tom de ameaça. Confesso!)

Eita! Quando vi já tinha saído da minha boca. Elas me olharam com medo, ignoram-me e não me responderam. Mas percebi que elas odeiam o povão/pobre como eu. A manicure veio me chamar. Percebi que causei mal-estar na sala de espera do salão. Reparei que todas falavam de mim. Neste momento comecei a entender porque o feminismo é um grito solitário, pois há algumas mulheres que gostam da condição medíocre de viver a sombra de um marido ou algo do gênero. E para que conceitos de direitos humanos/civis sejam compreendidos, as pessoas necessitam se livrar da futilidade diária. Amém. Mas...E digo mais, não são só os homens que são machistas. #fatotriste

Quanto a mim. Continuo indo a salões de beleza – mesmo me sentindo uma estrangeira -, mas agora vou na companhia do meu Ipod, o qual me protege de uma sociedade doente e fútil. #melhorremdeio Claro que quero cuidar da minha aparência física. E como já disse aqui: gosto da beleza. Mas ela não é o único assunto do meu repertório e tenho pena de pessoas que só utilizam um mote para sua vida e vomitam preconceitos que adoecem mais a sociedade.


Nota: Eu também tenho meus momentos alienantes. Como todos. Contudo, não deixo me contaminar pela mediocridade coletiva e sei exatamente o que é importante para mim e para minha vida. Conjugo o verbo SER em todas as pessoas, tempos e modos. #ligacao

4 comentários:

Rita disse...

De fato, esse tipo de conversa se ouve cada vez menos por aqui, por aqui é Portugal, Lisboa. Mas você tem razão, muitas mulheres se calhar a maioria, sobretudo das que estão «bem casadas» são cumplices amáveis e prazerosas do sistema social que a todas oprime.
Ainda, ser feminista implica muita coragem, implica coragem para afrontar uma cultura em que todas fomos educadas.

@sobrecomum disse...

Vez enquando, vou ao Twitter falar mal da Classe Média que aprendeu a fazer dinheiro e na mesma medida desaprendeu a ser educado, ser tolerante, ser compreensivo, ser simpático...

São e querem ser reconhecidos como consumidores, sem nenhuma produção de conteúdo próprio, sem uma reflexão própria, pq podem comprar livros de auto-ajuda, sem uma caridade própria pq doam a instituições por transferência bancária, sem contato com os assistidos. Uma classe média que não tem biblioteca em casa, vejo isso no metrô que pego todo dia. (aqui no Rio, o trem liga a periferia ao centro e o metrô as áreas mis abastadas ao centro). Ninguém lê, só eu e algum outro camarada com um desses best-sellers de adolescentes.

E toda vez que vou falar mal deles, fico achando que tenho inveja da fortuna deles, não é isso, pq uma fortuna precisa gerar satisfação imadiata mas também garantir uma velhice confortável. E não me parece que o país vá ter um bom futuro com essa pobreza intelecrual em q se encontra a nossa elite econômica.

Anônimo disse...

Dani, vc é tudo de bom. ri muito deste post, ri mesmo... fiquei imaginando a sua cara e como nos parecemos. como já disse em um texto meu, não me encaixo neste sistema. qdo chego ao meu trabalho pela manhã e todos estão discutindo novela das 8 eu tenho vontade de virar e voltar embora... dá para acreditar... eu é que digo, em que mundo vamos parar com pessoas como essas .....
bj pra ti

William Lima disse...

Danizinha, menina da unha feita e da fita de laço na cabeça:
Infelizmente, vivemos numa sociedade machista, como vc mesma mostrou. E cercados num machismo que vem das próprias mulheres muitas vezes. Por isso o partido das penas e dos bicudos continuam a dominar SP, pq tem seus eleitores garantidos.