terça-feira, abril 05, 2011

Coisas que vão enchendo o saco, mas eu não tenho saco e ai? #comofaz? #violencia #feminismo #abuso

 

Trilha sonora do dia - Christina Aguilera - Can't hold us down

Ontem decidi sair para fazer um lanchinho noturno, por volta das 22h,  assim que terminei de assistir ao filme  5X Favela – por nós mesmos – Indico o filme, vale muito ver. Ele é divido em cinco histórias, filmadas, escritas e dirigidas por cineastas/artistas das comunidades. Só um adendo, porque não é do filme que irei falar: Eu adorei todas as narrativas, mas duas em particular roubaram meu coração – Concerto para violino e Feijão com arroz. Depois escrevo sobre elas... Voltando ao meu lanchinho, eu com um fome danada, decidi tomar um café e comer um pão de queijo. Chegando na padoca ( a qual fecha 23h – ou seja tinha pouco tempo), uma moça muito bonita( sem exageros), simpática e agradável veio me atender. Fiz o pedido imediatamente, porque eu quase nunca preciso de cardápio. Já sei o q vou pedir em 99% da vezes que vou a uma padoca: Café e pão de queijo – independentemente do horário -. A atendente era  aquele tipo simpática sem precisar forçar, não é atendimento mecanizado ( o qual eu detesto. Confesso: Pois eles chamam tod@s de senhor, senhora. Aff horroroso. Rs). Contudo percebi que os olhos da moçoila estavam inchados. Pensei comigo: Ela deve ter chorado. E eu sou um tipo de pessoa que não pode imaginar ninguém chorando que começa chorar junto. #fato É como se eu compartilhasse a dor do outro de uma maneira superlativa e quase sem controle. Absurdos da vida. Todavia é assim...

Ela trouxe meu pedido. E me disse:
- Sempre vejo você aqui. Sempre quis te conhecer. Achei interessante ela revelar que sempre quis conversar comigo. Já ouvi isso de outras pessoas, mas ela me parecia tão sincera que meu coração pulou de alegria. Pois é difícil achar alguém para conversar na minha cidade. Alguém que valha a pena.
-É...Eu venho tomar café. Por que você sempre quis me conhecer? Perguntei sorrindo.
- Porque você é meio riponga( e eu nem sou), sorri muito, é bonita, tem uma voz agradável e sempre trata todos tão bem. Eu sorri e disse:
- Obrigada. Qual o seu nome?
-Daniela e o seu?
-Daniela também. E começamos a rir. A dona da padaria sempre chata a chamou. Percebi que a moça levou uma bronca porque tava interagindo comigo. E isso me irritou. Tomei o café, comi o pão. E quando fui pagar a conta,  a moça estava se arrumando para ir embora e me pediu para esperar. Eu a esperei lá fora. E começamos uma prosa bem agradável. Ai eu tive coragem e perguntei para ela o que havia ocorrido, porque os olhos dela estavam inchados. Perguntei se ela havia chorado. E ela me respondeu:
- Sim. Chorei muito hoje.
- Por quê? Disse eu.
- Por causa de um cliente, um advogado que frequenta a padaria. Ela respondeu apreensiva – afinal ela acabara de me conhecer. Eu perguntei:
- Mas o que houve? Insisti. Porque eu sou chata e insistente – na maioria das vezes-.
-  Não aguento mais esse cliente me perseguindo. Ele me canta em horário de trabalho. Faz-me propostas indecentes. E eu tenho que sorrir porque senão a dona da padaria me manda embora. Dani, ele me olha de maneira estranha, sinto medo. Outro dia ele me disse que eu era bonita demais para estar atrás de um balcão e que me bancaria se eu fosse amante dele. Falou isso alto, como se eu fosse prostituta. A dona do estabelecimento somente sorri e me manda fazer o mesmo. Aquele relato sincero, cheio de medo e perdido me indignou e aflorou a feminista radical que existe em mim – porque eu não gosto de rótulos-,  e eu disse horrorizada:
-Que nojento! Nojento o homem e sua patroa. Você não pode se sentir violentada assim e ficar quieta. Ela me respondeu aos prantos:
-Eu preciso do emprego, Dani. O que eu faço? Tenho dois filhos para criar. Aquele depoimento, toda a emoção da moça começou a me incomodar de uma maneira trágica. Ainda mais que o meu dia tinha sido tão difícil. Eu falei:
- Daniela, você é uma cidadã e têm direitos. Ninguém pode te coagir desta forma. Você está sendo oprimida, ainda mais porque não deseja o homem. Ele não tem o direito de te humilhar na frente de todos e ainda endossado pelo silencio da sua patroa. O que é mais criminoso ainda para mim. Procure a defensoria pública.
- Será? Respondeu ela aos prantos. Eu disse:
- Você não pode ficar chorando todos os dias por causa desse idiota.
Enfim... Terminamos a conversa ela estava mais calma e reflexiva sobre o assunto, fomos embora. Eu queria indicar um amigo advogado para ela procurar, mas ela não quis. Penso que ela sente muito medo. E talvez no lugar dela eu também me sentisse acuada e sem forças para lutar contra o sistema. Mas, agora comigo por perto, talvez ela entenda que está sendo violentada – se bem que ela compreende a violência que vem sofrendo cotidianamente-, agora é questão de tempo para sua emancipação.

O que mais me deixou incomodada e sem sono depois da nossa conversa, é que esse tipo de violência contra a mulher é consentida socialmente e é diária. Inclusive, por outra mulher, afinal negócios passam por cima da dignidade humana, né sistema? A mulher culturalmente ainda é tratada como mercadoria e objeto de desejo do homem e quase nunca como um ser humano. #fato que só não enxerga que está preso na caverna de Platão. E para maioria das pessoas este relato não apresenta violência alguma. E na verdade ele está cheio de barbárie: por parte de um homem nojento que assedia uma moça que está trabalhando e pela patroa. Relações de poder – o cara é advogado, portanto se sente um dotô, e se é um homem socialmente/profissionalmente dito bem sucedido, como uma balconista não o quer? (sintomas da casa grande) Ele tem carro e talão de cheque. Que coisa! Mas deixo aqui um aviso para esse tipo deprimente de homem: Não é porque somos da periferia que nos encantamos por carro, cartão de crédito ou coisas assim. #ficaadica para os babacas de plantão. Quem conjuga mais o verbo “ter” invés do “ser”, deve ter problema com tamanhos ou ereção... Então necessita de uma compensação. #fato

O que traz mais tristeza a minha alma é ouvir de pessoas ditas progressistas que não há violência nesta narrativa. É ouvir diariamente em quase todos os ambientes – profissional, lazer, etc -;  mulheres serem chamadas de vagabunda porque gostam de sexo e de variação de parceiro. Como se só o homem/macho tivesse direito ao prazer, como se só ele fosse dono do seu corpo. Eu sinto algumas vezes que o corpo da mulher não pertence a ela e sim a um bando de convenções sociais/religiosas que só reiteram o sexismo. E o mais lamentável: há mulheres que reafirmam essa imbecilidade e a dominação sobre seus corpos e que se seduzem por qualquer talão de cheque. #vergonhaalheia

O que será que nós mulheres precisamos fazer para realmente termos voz ativa? Será que nossa indignação é muito branda? Como nos compreender e nos fazermos compreendidas? Como mudar? Penso que o caminho seja os “petits”. Precisamos educar nossas crianças de modo laico, sem segregação de gênero, para que ocorram mudanças culturais/sociais efetivas e que estes paradigmas se quebrem, dando lugar a um outro tipo de modelo social que transformará realmente a vida das mulheres e da sociedade. Camus dizia que a esperança é a infelicidade da vida. Mas neste momento quero correr o risco da infelicidade e ter a expectativa que algo realmente mude em nosso contexto social e que o sexismo, daqui uns anos, seja coisa do passado. 

"Venho para abrir portas para que muitas outras mulheres, também possam, no futuro, ser presidenta; e para que – no dia de hoje – todas as brasileiras sintam o orgulho e a alegria de ser mulher.” Dilma Rousseff, discurso da posse no Congresso Nacional.

6 comentários:

Anônimo disse...

Conheço umas mães que dizem cada pérola machista dentro de casa pros filhos ou pras filhas... e, com certeza, isso vai enchendo o saco (virtual ou não) da gente.

Dica: Se a patroa fica rindo da situação, creio que isto dá liberdade pra "nossa amiga" dar uma resposta pro porco. Acho que não precisa ficar calada. E dá menos trabalho que ir à justiça.

Elias. ;)

Anônimo disse...

Senhorita Daniela,

Infelizmente há mulheres tão machista quanto alguns homens. Concordo contigo ,a solução só virá a longo prazo e decididamente está na mãos dos educadores ( pais ou escola). O que também me dá um certo receio.
Gostei muito do seu texto. Gosto do seu ativismo. Gosto mais ainda do seu sorriso. A moça tem razão, vc desperta curiosidade. Antes de conhecê-la morria vontade de ser seu amigo.
Adoro vc, mocinha!
Parabéns novamente pelo texto e pelo níver.
bjo do Júnior

Neide Tereza disse...

Adorei ler sua opinião no blog e queria notificar uma situação vivida.Eu jogo tenis e em todos - digo todos - os clubes da minha região, não há uma única mulher que divida as quadras comigo.A ala é excessivamente masculina. Então você pode imaginar o desafio que enfrentei em partilhar as quadras com desafiantes de cara amarrada ou o contrário, efusivos até demais, achando que só por isso eu já estava "no papo"...
Foram alguns anos de muita persistência e teimosia. Agora, ganhei a batalha. Tenho meu lugar garantido nas quadras e no grupo com o respeito que mereço.Mas sempre achei que eu não precisava ter tanto trabalho para conquistar o que é de meu direito...
Daniela, vai demorar... mas o dia chegará.
A moça do restaurante, porém, falta imposição.

Um abraço,

Neide Tereza

Girassol disse...

Elias, infelizmente, há pais que reafirmam a segregação de gênero. Também já ouvi perolas de mães ou pais que cortaram meu coração e a vontade que tive fui de retirar a criança de ambiente tão perverso.
Eu não gosto do Freud e nem da psicanálise. Mas tenho que concordar, os pais, são responsável pela neurose dos filhos e tb por acabar com vida deles. #fato
Neide, eu tb penso que ela é passiva. Contudo compreendo tanta inércia. As mulheres tem esse estigma da culpa, acho q isso pode ser considerada até uma síndrome ou algo assim. Aprendemos isso desde cedo na bíblia. A eva é a culpada da desgraça do mundo. Coisas para refletirmos. Enfim...
Sua história do tênis, lembrou-me a minha natação. Tb nado somente com homens. Quando entrei na natação eles sempre se acharam melhor. Mas com o tempo, mesmo os homens biologicamente sendo mais fortes que nós mulheres, nado mais rápido e tenho mais resistência que todos juntos. Isso foi fazendo com que eles me respeitassem...Ou seja, nós mulheres para conseguir a igualdade...temos que dar muito mais que eles. Isso é injusto.
Enfim...Tb me lembrei de outro fato. Eu amo futebol e participava de um fórum sobre o assunto. Ninguém respondia minhas questão e não me davam abertura para debater o assunto, percebia claramente que era pelo fato de eu ser mulher. Ai...criei um fake masculino...Os homens começaram a elogiar meus comentários e se tornaram meus fãs. Eu me divertia com a situação, como se fizesse todos de idiotas, mas ao mesmo tempo sentia-me triste, porque não me aceitam pelo simples fato de eu ser mulher...? Até que resolvi sair do armário... Contei tudo. E para minha surpresa eles pediram desculpas pela estupidez e pela forma que me ignoraram.
A luta é árdua.... beijos

Juliana disse...

dani, concordo com vc. infelizmente o assedio q essa moça sofre é rotineiro e suas variantes sao inumeras.. o mais triste mesmo é ver q a maioria das pessoas nao veem isso como algo deploravel e, qdo alguem aponta a podridao, ainda é taxado como chata e cricri.. é triste viu.
espero q essa moça consiga romper esse assedio.
gostei muito do seu post. faço minhas as suas palavras :*

@sobrecomum disse...

Enquanto lia, lembrava de uma gama de moças que conheci e que se diziam desiludidas com os homens. Eles só querem nos levar pra cama, diziam. E se eles pensam assim, terão que gastar uma grana antes. Ou então, casei e continuo trabalhando mas quem paga as contas é ele pq meu sinheiro é pra gastar com maquiagem, cabelereiro, roupas e bijuterias.

Quando eu disse que divido a conta do restaurante, do motel, do cinema e tantas outras. Porque no caso de um desentendimento, qualquer um dos dois pode pegar as coisas e sair sem ficar devendo nada, fui maldiçoado por 3 gerações como se houvesse dito alguma blasfêmea.