quarta-feira, novembro 07, 2012

O amarelo



Era um homem duro na essência. Desses que quase não sorri, sonha ou lamenta. E do tipo que a vida tanto faz sendo vivida na perspectiva do sistema. Ou que passa a vida com um livro na mão na sala de casa  ou num café freqüentando por gente de mal com a vida.  

Tinha ele 62 anos. Quase não sonhava mais, pois achava que voar não era para ele. Gostava das coisas práticas, palpáveis e reais. Adorava cortar madeiras. De tão duro, essa era sua profissão: fazer móveis. 

Nunca se indagava pelas árvores partidas e mortas, que serviam de matéria prima para seu  ganha pão. Apenas fazia o que tinha que ser feito, na sua ótica pragmática da vida. Fora casado duas vezes. Tivera 3 filhos, com os quais pouco contato tinha e talvez nem quisesse, como se não lhe coubesse o papel de pai, pois achava que não tinha muito a acrescentar a alguém. Seguia sem culpas. 

Numa quinta-feira, por volta das 16h33, era primavera, voltando da fábrica de móveis, num momento singular – cheio de plurais-, pois ele não reparava nas ruas, nas pessoas, na vida em sua volta; olhou para uma árvore com flores amarela. Tão amarelas que machucavam sua retina, pareciam uma espécie de outra dimensão que se floria, porque aqui nesse mundo a vida é dura e seca, assim como a madeira morta. A árvore balançava seus galhos, folhas e frutos como se dançasse. O amarelo vangogiano o cegava pela beleza, pois há belezas que cegam e nessa cegueira nos despertam.


Ele admirou a arvore parado até o anoitecer. Foi para casa e não conseguia tirar a imagem das flores, folhas dançando num amarelo e verde impressionista.  Decidiu voltar lá no dia seguinte. Chegando... mexeu na terra  a beira do ipê e distribuiu sementes. Plantara girassóis no pé do Ipê amarelo e compreendeu a beleza vida na mistura do amarelo. Sorriu. 

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