Era um homem duro na
essência. Desses que quase não sorri, sonha ou lamenta. E do tipo que a vida
tanto faz sendo vivida na perspectiva do sistema. Ou que passa a vida com um
livro na mão na sala de casa ou num café
freqüentando por gente de mal com a vida.
Tinha ele 62 anos. Quase não
sonhava mais, pois achava que voar não era para ele. Gostava das coisas
práticas, palpáveis e reais. Adorava cortar madeiras. De tão duro, essa era sua
profissão: fazer móveis.
Nunca se indagava pelas árvores
partidas e mortas, que serviam de matéria prima para seu ganha pão. Apenas fazia o que tinha que ser
feito, na sua ótica pragmática da vida. Fora casado duas vezes. Tivera 3
filhos, com os quais pouco contato tinha e talvez nem quisesse, como se não lhe
coubesse o papel de pai, pois achava que não tinha muito a acrescentar a
alguém. Seguia sem culpas.
Numa quinta-feira, por volta
das 16h33, era primavera, voltando da fábrica de móveis, num momento singular –
cheio de plurais-, pois ele não reparava nas ruas, nas pessoas, na vida em sua
volta; olhou para uma árvore com flores amarela. Tão amarelas que machucavam
sua retina, pareciam uma espécie de outra dimensão que se floria, porque aqui
nesse mundo a vida é dura e seca, assim como a madeira morta. A árvore
balançava seus galhos, folhas e frutos como se dançasse. O amarelo vangogiano o
cegava pela beleza, pois há belezas que cegam e nessa cegueira nos despertam.
Ele admirou a arvore parado
até o anoitecer. Foi para casa e não conseguia tirar a imagem das flores,
folhas dançando num amarelo e verde impressionista. Decidiu voltar lá no dia seguinte. Chegando...
mexeu na terra a beira do ipê e
distribuiu sementes. Plantara girassóis no pé do Ipê amarelo e compreendeu a
beleza vida na mistura do amarelo. Sorriu.
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