quinta-feira, maio 19, 2011

Reforma Psiquiátrica: a luta de olhar o ser humano como o sujeito de todas as ações

A reforma psiquiátrica brasileira acontece dentro do contexto de reforma sanitária e redemocratização. Mas ela teve uma trajetória própria que tem alguns marcos, tais como a criação do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental – MTSM(1978); a criação do caps itapeva na cidade de São Paulo(1987); I conferência de saúde mental (1986); encontro do MTSM em 1987 na cidade de bauru; intervenção na Casa de Saúde Anchieta (1989) e apresentação do projeto de lei Paulo Delgado em 1989 que propunha o fim dos hospitais psiquiátricos e manicômios. Todos esses eventos incorporaram o que convencionamos chamar de reforma psiquiátrica que nada mais e do que o redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental. Muda-se o foco. Sai de protagonismo a doença, entra o sujeito. Por isso que se diz, “colocar a doença entre parênteses”. Não significa negar doenças, mas entender que o olhar para o sujeito em sofrimento permite mais possibilidades. Bom, não preciso dizer que aqui esta posta uma luta de classes e de poder. Entre os médicos a negação da violência das instituições totais não é infrequente, ela vem disfarçada de diversas maneira.

De fato ao tratar o doente com uma única possibilidade, o violentamos. Assim a internação de longa permanência como único recurso para lidar com o louco se mostrou ineficaz, pois o distanciava da sociedade, concretamente, pois a maioria dos grandes hospitais ficavam longe de suas casas, afastados dos centros urbanos, isolados, cidadelas de loucos. Creio que o processo de alienação do trabalho contribuiu muito para a manutenção desse sistema, pois não havia espaço para criticas de sua própria pratica. Não dá pra culpar apenas os profissionais. Mas certamente aqueles que lucravam com essa indústria da loucura sim: donos de hospitais, INPS, laboratórios e indústria farmacêutica. A loucura deu e ainda dá muito dinheiro…

A visão da sociedade sobre a loucura mudou muito ao longo dos séculos, de doença dos humores na antiga Grécia, a possessão demoníaca na Europa medieval e renascentista, uma visão de doença moral na revolução francesa, a algo q deve ser eliminado dos olhos no século XIX. Saíram das cadeias e inquisições e ganharam as colônias e manicômios… Ao longo do século XX, a psiquiatria como ciência avançou muito, nas classificações diagnosticas de Kraepelin, aos tratamentos somáticos, as terapias de choques e posteriormente os remédios que agem no cérebro. Mas diferentemente do restante da medicina, a psiquiatria nasceu dentro do hospital e não o contrário.

Completamos 10 anos da chamada lei da “reforma psiquiátrica”, a 10.216/2001 que redireciona o modelos assistencial em saúde mental. A partir disso, pode-se criar portarias instituindo os equipamentos substitutivos (os CAPS), os programas de volta pra casa, as residências terapêuticas, entre outras. Hoje a rede conta com mais de 1650 CAPS, 571 Residências Terapêuticas e tantas outras bolsas do programa de volta pra casa. Além disso, também conta com as unidades básicas de saúde, os prontos-socorros com emergências psiquiátricas, leitos psiquiátricos em hospital geral e ainda uma rede de hospitais psiquiátricos, com muito menos leito que em 2001. Apesar de todo esse avanço, ainda temos muitos obstáculos a serem enfrentados, ampliação da rede de atendimento e capacitação e qualificação dos profissionais.

Celso Ricardo Bueno – Médico Psiquiatra


 

Celso Ricardo Bueno é médico de formação (UEL, 2003) e coração, com residência médica, um tipo de especialização, em psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo (2005). Após o termino da residência, iniciou um trabalho na área de psiquiatria biológica, tendo culminado num mestrado em ciências (USP, 2009), sobre o tema de "terapias biológicas". Nesse momento o seu interesse era estudar, aprofundar seus conhecimentos em neurociências e nos tratamentos somáticos utilizados na psiquiatria, entre eles a eletroconvulsoterapia (ECT), muito pejorativamente conhecida como eletrochoque. Paralelamente, passou a desenvolver um trabalho focado na reabilitação psicossocial, em CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e descobriu outro mundo, o da saúde mental que lhe era obscuro e cheio de preconceitos. Atualmente trabalha no CAPS Prof. Luís da Rocha Cerqueira, conhecido como CAPS da rua itapeva, o primeiro equipamento desse tipo no pais, inaugurado em1987. Além disso é plantonista numa emergência psiquiátrica do hospital Santa Marcelina e luta pela inclusão do doente mental na sociedade. Além disso gosta de se aventurar por outras áreas de conhecimento, atualmente cursa Pós-Graduação - Lato Sensu - na Unicamp em Economia Solidária.

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