terça-feira, abril 12, 2011

Pelo direito do verbo


Todo falante de uma língua tem a tendência de reduzir as formas verbais, distinguindo apenas o eu e os outros – talvez mais que linguística esta seja uma característica humana -, sendo uma marca da fala, a qual evita repetições e o excesso de marcas (plural, tempo, gênero), pois ela é uma simplificadora da língua.

Eu não conheço nenhum falante  da língua “brasileira” que utiliza os pronomes pessoais “ tu” e “vós” no seu dia-a-dia.  Veja, não estou referindo-me a língua escrita padronizada e sim ao nosso cotidiano. Não escutamos com freqüência ninguém dizer: tu vieste ontem?  E sim, você veio ontem? Bem, o sul do Brasil utiliza o pronome pessoal “tu”, mas não flexiona a forma verbal, sendo esta, portanto, mais uma característica de VARIAÇÃO LINGUÍSTICA da região.

O verbo é o que move o mundo: eu e você. O verbo é a extensão da vida. Portanto, entender seu funcionamento é mais ou menos como aprender a viver e ter a liberdade de ser ou estar. O maior problema, no meu ponto de vista, no ensino da ação é diminuí-la a uma lista pronta e retirar aprendizado tão rico do contexto vivenciado pelo aluno. Recordo-me com tristeza do meu aprendizado verbal – foi traumático-; a professora passava uma lista de verbos: tempo/modo e a lista de pronomes pessoais para decorarmos – não éramos capazes de distinguir as pessoas ou as flexões do plural, era uma coisa automática-. Era terrível. Lembro-me que havia prova oral. E se não estivesse na ponta da língua, havia broncas e gozações dos colegas de classe. Que coisa horrorosa! Para mim isso era um crime contra a educação, o aluno, professores e a humanidade, pois ações assim nos afastavam da língua e, portanto da vida. Eu achava o verbo tão distante de mim, porque era incapaz de reconhecer os fenômenos vivos da língua.  Hoje, eu sou o verbo.

Claro que na educação formal é fundamental o aprendizado da língua padrão e o professor (odeio o machismo da língua, mas isso é para outro post... rs) deve apresentar aos alunos todas as formas verbais conjugadas “corretamente”, também é importante capacitar o aluno para reconhecê-las num texto formal e principalmente, fazê-lo entender a diferença entre a fala e a escrita. O aluno precisa ter a versatilidade de saber que mesmo na fala, há situações que ele necessita adequar à linguagem.  Isso é viver e se adequar a situações diversas, ou seja, é ser educado para a vida!

O problema é que muitos professores ensinam “conjugação verbal” como se fosse a coisa mais complicada e mais distante da nossa vida possível e isso nos afasta do aprendizado das nossas ações, as quais seriam o espelho de nós mesmo. Na verdade, a cultura do erro comete uma violação de direitos humanos: exclui cruelmente do aluno sua bagagem de mundo, com isso desvalorizando sua própria vida. Pena, porque estudar/conhecer a língua é uma viagem ao nosso coração e o despertar da ação maior que é COMPARTILHAR com o outro.


Penso que o maior problema do ensino formal é desvalorizar o falar popular por uma questão de preconceito linguístico, o qual reflete no social; sem ao menos conhecer os processos da língua. Para mim, isso é ignorância. Porque conhecer a língua é mergulhar num mar de possibilidades e se despir de conceitos pré-estabelecidos, porque quando se estuda a vida é assim.  

Essa coisa de super valorizar o saber erudito é coisa de pseudo-intelectual, gente insegura, a qual adora a dar valor negativo ao que considera erro. Só que se esquece que viver também é errar; e que ações existem para serem vividas. E que se primeiro foi criado o verbo, a tod@s ele pertence.


Nota linguística: Se DECORAR é guardar no coração que toda ação nasça dele.

Nota para acordar: Um dos maiores poetas da língua portuguesa: Patativa do Assaré 

"Há dor que mata a pessoa
Sem dó nem piedade.
Porém não há dor que doa
Como a dor de uma saudade."

"Meus versos é como semente
Que nasce arriba do chão;
Não tenho estudo nem arte,
A minha rima faz parte
Das obras da criação"

"Sertão, argúem te cantô,
Eu sempre tenho cantado
E ainda cantando tô,
Pruquê, meu torrão amado,
Munto te prezo, te quero
E vejo qui os teus mistéro
Ninguém sabe decifrá.
A tua beleza é tanta,
Qui o poeta canta, canta,
E inda fica o qui cantá."

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