sexta-feira, janeiro 07, 2011

Em defesa da arte – Pedagogia X Arte Literária

A literatura é um manifesto da humanidade. E a leitura é uma experiência individual/solitária, de interiorização, reflexão e dialógica (emissor x receptor) de cada individuo, ou seja, é uma ação impar. Por isso, para mim, limita-la é um crime contra toda a humanidade.
Há algum tempo venho protelando para discorrer sobre o tema – censura literária - , todavia ontem lendo um artigo sobre este assunto no Blog do Favre – indico o blog - , o qual dizia que as obras de Mark Twain - As Aventuras de Tom Sawyer e As Aventuras de Huckleberry Finn- sofreriam algumas mudanças, os editores suprimiriam alguns termos considerados preconceituosos. Confesso: enlouqueci de raiva diante tamanho desrespeito com obras riquíssimas como essas, pois mudar uma obra de arte, ou adapta-la é assassinar a natureza humana. Caramba: nós não somos maniqueístas e nem uma linha reta.
Para a blogueira suja aqui, quem pede censura a artistas/escritores não sabe o que é literatura. Desculpem-me, mas é isso que penso. Pois a arte literária está muito além de valores morais e do que é considerado politicamente correto. A arte é subversiva em sua essência: revela o pior e o melhor de nós e de toda sociedade.
O que me assusta nestes discursos da literatura com caráter pedagógico é a privação de sermos nós, de não podermos escolher qual caminho seguir e do processo de nos descobrirmos pela arte ser minado. A arte salva. Sou prova viva disso. E caso continue esta “ditadura” do politicamente correto enxergo tempos difíceis para cultura, e isso me leva a pensar no que dizia meu avô. Ele me dizia que a história era cíclica. Será?  Pois não vejo diferença entre as proibições literárias ocorridas em tempos passados da que esta existindo hoje. Censurar não é o caminho. Nunca! Dialogar sim...
Pelo que venho acompanhado pela mídia ( convencional/blogs/ministério da educação) a polêmica toda foi devido ao desaconselhamento pelo CNE do livro de  Lobato – Caçadas de Pedrinho, devido a figura da Tia Anastácia e o  linguajar racista/preconceituoso utilizado pelo autor ao se referir a personagem. Contudo quero relatar aqui minha experiência com Lobato na infância. E é devido a esta experiência que hoje sou a Daniela e também foi por ela que adquiri gosto pela filosofia, história, arte, literatura, e que sou uma pessoa curiosa, foi ele também que me apresentou Cervantes e me fez entender a importância da cultura popular e que as diferenças, seja, por raça, tamanho, formas, escolhas devem ser respeitadas e que não há pessoas melhores, nem piores: apenas pessoas.  Também foi a partir da leitura na infância de Lobato que comecei a me tornar “comunista”, inspirada pela figura da boneca revolucionária Emilia, a qual foi criada pela Tia Anastácia, será que isso foi por acaso? Acredito que não...
A literatura realista/naturalista/contemporânea é o relato, a imitação do que a humanidade é, ela dói, machuca, apaixona e depois liberta. E se sentir incomodado com a realidade é não querer se admitir falho/limitado/finito, ou seja, humano. 
 O texto literário não é educativo e se fosse não seria arte e sim um livro de pedagogia ou de educação moral. Gente, é importante à literatura assumir seu caráter artístico e ser livre para isso. Porque senão daqui uns anos estarão proibindo nas escolas grandes nomes de literatura como Machado de Assis, Graciliano Ramos, Nelson Rodrigues, Saramago, Twain, Dostoievski, Kafka, Camus entre outros. Eles são todos subversivos. #ficaadica  Fico pensando na leitura da obra de Marques de Sade: ler “ Filosofia na Alcova” daqui uns anos causará prisão/perseguição, não é? Voltamos à idade média? Ou a sociedade não é madura para discutir as diferenças entre a pedagogia e a arte? Ou não é capaz de tolerar a verdade  contida na  arte? 

A perda da força artística em favor do viés pedagógico é lamentável, talvez, por isso haja tão poucos leitores hoje em dia. #ficaadica Na literatura o professor é apenas um mediador, pois a experiência é pessoal. E nada mais violento  para mim do que alguém entrar na minha terapia sem minha permissão. É! Comparo a literatura com a terapia sim...pois a literatura me revelou a mim mesma, portanto é um o  processo de interiorização e reflexão. E caro companheiro, ações assim tão intimas ninguém faz ou sente por nós.
Ah! Claro que considero textos com viés pedagógico importantes para serem discutidos na escola, mas não os chame de literatura/arte.  Trabalhar temas polêmicos  com alunos é fundamental para sua formação, mas também é importante respeitar o conhecimento de mundo do aluno e os valores que ele já carrega em si. Sem isso: respeito,  tudo se torna uma ditadura.
Se hoje sou uma defensora de direitos civis/humanos é devido à literatura. Por isso, censurar escritores ou adaptar suas obras é um crime contra a humanidade e a liberdade de sermos nós.

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