Noam Chomsky
Do The New York Times
Do The New York Times
O ataque violento de Israel à Flotilha da Liberdade que levava
ajuda humanitária à Faixa de Gaza chocou o mundo.
Sequestrar barcos em águas internacionais e matar passageiros é, com
certeza, um crime grave. Mas o crime não é nada novo.
Há décadas, Israel vem sequestrando barcos entre o Chipre e o Líbano e
matando ou sequestrando passageiros, algumas vezes mantendo-os como
reféns em prisões israelenses.
Israel supõe que pode cometer tais crimes com impunidade porque os
Estados Unidos os toleram e a Europa geralmente segue a direção dos EUA.
Como os editores do The Guardian muito bem observaram em 1º de junho,
"se ontem um grupo armado de piratas somalis tivesse entrado em seis
barcos em alto mar, matando pelo menos 10 passageiros e ferindo muitos
outros, uma força-tarefa da Organização do Tratado do Atlântico Norte
(Otan) estaria se dirigindo hoje para a costa somali". Nesse caso, o
tratado da Otan determina que seus membros prestem ajuda a um país
companheiro na Otan - a Turquia - atacado em alto mar.
O pretexto de Israel para o ataque foi que a Flotilha da Liberdade
estava transportando materiais que o Hamas poderia usar para construir
bunkers e lançar foguetes contra Israel.
O pretexto não é crível, Israel pode facilmente colocar um fim na ameaça
dos foguetes por meios pacíficos.
O contexto histórico é importante. O Hamas foi considerado uma maior
ameaça terrorista quando venceu uma eleição livre em janeiro de 2006. Os
Estados Unidos e Israel reforçaram suas punições de palestinos, agora
pelo crime de votarem da forma errada.
O cerco a Gaza, incluindo um bloqueio naval, foi uma consequência. O
cerco se intensificou acentuadamente em junho de 2007, depois que uma
guerra civil colocou o Hamas no controle do território.
O que é comumente descrito com um golpe militar do Hamas foi, na
verdade, incitado pelos Estados Unidos e por Israel, em uma rude
tentativa de reverter as eleições que tinham levado o Hamas ao poder.
Isso é de conhecimento público desde pelo menos abril de 2008, quando
David Rose relatou na Vanity Fair que George W. Bush, a conselheira de
Segurança Nacional Condoleezza Rice e seu vice, Elliott Abrams,
"apoiaram uma força armada sob o comando do homem forte do Fatah
Muhammad Dahlan, desencadeando uma sangrenta guerra civil em Gaza e
deixando o Hamas mais forte do que nunca". O terror do Hamas incluía
lançar foguetes nas cidades israelenses próximas - ato criminoso, sem
dúvida, embora seja apenas uma minúscula fração dos crimes rotineiros
dos Estados Unidos e de Israel em Gaza.
Em junho de 2008, Israel e o Hamas firmaram um acordo de cessar-fogo. O
governo israelense o reconheceu formalmente até que Israel quebrou o
acordo em 4 de novembro daquele ano, invadindo Gaza e matando meia dúzia
de ativistas do Hamas. O Hamas não disparou um único foguete.
O Hamas propôs renovar o cessar-fogo. O gabinete israelense avaliou a
oferta e a rejeitou, preferindo lançar sua invasão assassina de Gaza em
27 de dezembro.
Assim como outros estados, Israel tem o direito à autodefesa. Mas Israel
tinha o direito de usar a força em Gaza em nome da autodefesa? A lei
internacional, incluindo a Carta das Nações Unidas, não apresenta
ambiguidades: uma nação tem esse direito apenas se esgotou os meios
pacíficos. Neste caso, tais meios não foram sequer tentados, embora - ou
talvez porque - houvesse todas as razões para se supor que teriam
funcionando.
Dessa forma, a invasão foi uma agressão claramente criminosa, e o mesmo
pode ser dito sobre Israel ter recorrido à força contra a flotilha.
O cerco é brutal, destinado a manter os animais enjaulados quase mortos
com o objetivo de evitar o protesto internacional, mas não mais do que
isso. É o último estágio dos antigos planos israelenses, respaldados
pelos Estados Unidos, para separar Gaza da Cisjordânia.
A jornalista israelense Amira Hass, uma importante especialista em Gaza,
descreve a história do processo de separação: "as restrições ao
movimento palestino que Israel introduziu em janeiro de 1991 reverteram
um processo iniciado em junho de 1967. Naquela época - e pela primeira
vez desde 1948 -, grande parte da população palestina vivia novamente no
território aberto de um único país - sem dúvida, um país que estava
ocupado, mas, no entanto, estava inteiro".
Hass conclui: "A separação total da Faixa de Gaza da Cisjordânia é uma
das maiores realizações da política israelense, cujo objetivo
preponderante é evitar uma solução baseada em decisões e entendimentos
internacionais e, em vez disso, ditar um acordo baseado na superioridade
militar de Israel".
A Flotilha da Liberdade desafiou essa política e, por isso, deve ser
esmagada.
Um esquema para encerrar o conflito árabe-israelense existe desde 1976,
quando os países árabes introduziram uma resolução do Conselho de
Segurança exigindo o estabelecimento de dois estados na fronteira
internacional, incluindo todas as garantias de segurança da Resolução
242 das Nações Unidas, adotada depois da guerra de junho de 1967.
Os princípios essenciais são virtualmente apoiados pelo mundo todo,
incluindo a Liga Árabe, a Organização dos Estados Islâmicos (incluindo o
Irã) e protagonistas importantes que não são estados, incluindo o
Hamas.
Mas os Estados Unidos e Israel lideraram a rejeição a esse arranjo por
três décadas, com uma exceção crucial e altamente instrutiva. Em seu
último mês no cargo, em janeiro de 2001, o presidente Bill Clinton
iniciou em Taba, no Egito, as negociações entre israelenses e
palestinos, que quase chegaram a um acordo, anunciaram os participantes,
até que Israel encerrou as negociações.
Hoje, o legado cruel de uma paz fracassada continua a existir.
O cumprimento da lei internacional não pode ser exigido contra os
estados poderosos, a menos que por seus próprios cidadãos. Isso é sempre
uma tarefa difícil, particularmente quando a opinião articulada declara
que o crime seja legitimado, seja explicitamente ou por meio da adoção
tácita de um sistema criminal - o que é mais insidioso, porque torna os
crimes invisíveis.
Noam Chomsky é professor emérito de lingüística e filosofia
no Instituto de Tecnologia de Massachusetts em Cambridge, Massachusetts.
Artigo distribuído pelo The New York Times Syndicate.
Fonte: Terra Magazine
2 comentários:
Andando nessa linha vale a pena ler este outro artigo:Esses judeus problemáticos.
Está no link http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100609/not_imp563632,0.php
Esse pode ser considerado um artigo neutro, de verdade.
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