terça-feira, janeiro 31, 2012

A pele que NÃO habito mais...

Ontem (re) assisti ao filme “A pele que habito” do Almodóvar. Bem, eu passei por um procedimento plástico há duas semanas. E é estranho como isso me aproximou mais da leitura do filme, como se cada corte da personagem do filme fosse compreendido por mim em todo dilaceramento. Enfim... O filme é genial, além do roteiro bem-escrito, uma fotografia perfeita, uma trilha sonora para qualquer fã de Hitchcock ficar com nó na garganta, e muito do cinema de terror dos anos 30, o próprio Almodóvar citou em entrevistas a influência de Fritz Lang no filme.

O filme é dividido em três atos não lineares e conta a história de Robert Ledgard vivido por Antonio Bandeiras (em uma das melhores atuações de sua carreira), um médico bem-sucedido, protótipo de cirurgião com complexo de Deus, um misto da figura do cirurgião plástico moderno com o Dr. Frankenstein da Mary Shelley. Robert é atormentando pela morte da mulher, a qual  teve a pele queimada num acidente de carro quando fugia com o amante, o qual era o irmão do cirurgião.

Robert é obcecado pela sua mulher, portanto lhe devolve a vida, mas não a pele e a beleza. Para proteger a mulher de sua aparência repugnante, o médico arranca todos os espelhos da casa para que ela  não se veja. Porém, um dia ouvindo a filha Norma cantar, ela decide ir à janela e vê sua imagem refletida, num ato de desespero por não se aceitar deformada, a moça se joga pela janela. Mas a desgraça do cirurgião se personifica na filha, a qual assistiu a morte da mãe. E na adolescência começa a ter problemas mentais e numa festa de casamento ela é supostamente violentada por um rapaz e logo se suicida. Ai inicia-se a saga do médico pela vingança, a qual é recheada de loucura, ira e paixão. Deste ponto também Robert decidi brincar de Deus de fato, fazendo um transplante facial e na idéia maluca de criar uma pele forte. E ai e torna o Dr. Frankenstein construindo  seu monstro, seu brinquedo.

O corpo feminino, a psique, a histeria e a neurose da mulher  sempre foram os motes da obra de Almodóvar e nesta película brilhantemente ele trata a questão pelo rêves, porque a mulher é reconstruída  pelo protagonista(homem), da pele, do sexo, aos seios à própria voz. A mulher é aprisionada num quarto apenas com livros de ioga, a TV em canais como NatGeo - sempre programa com animais( uma analogia ao caçador e a caça).

A fotografia é uma obra de arte a parte na trama: ora escura, ora avermelhada e quente como as de outras obras do diretor, mesmo com as cenas de suspense e secas, ora surgia os elementos do vermelho ou do amarelo. A fotografia retrata o surrealismo do sangue, a pulsação da vida. 

Outro detalhe que me chamou atenção foram às obras de arte que decoravam a casa do médico, muitas pinturas renascentistas e algumas impressionistas. E abro um parêntese aqui, visitei vários cirurgiões plásticos antes de fazer minha cirurgia. E todos os consultórios que fui são marcados pelos pintores renascentistas. Outra coisa que não vou entender... Afinal mulheres retratadas por estes pintores eram volumosas. Portanto, fica uma questão: o que é a estética? A pintura que mais apareceu na película foi uma replica de Venus Dormida de Giorgione. Segue a imagem:



O filme é uma obra-prima e assinado pelo diretor em todos os takes. Só um gênio conseguiria construir e amarar história tão surreal: casando fotografia, trilha sonora e a atuação brilhante dos atores com tanta facilidade. Exagerado, mas apaixonante a pele que não habito mais.




Trailer:

Um comentário:

El Adriano disse...

Saí do cinema fascinado com esse filme, como acontece sempre que vejo alguma obra do Almodóvar. Saí com muitas dúvidas também, como a imagem renascentista da decoração (não sabia que era item de cirurgião)pesando entre a anatomia da suposta moça. A ioga também me intrigou. Assim como um dos únicos canais da tv serem sobre animais.

A cantora da festa também me deu calafrios, um clima de beleza oculta... chama-se Buika.

Ele sempre mexe com questões de género, mas essa insanidade toda não é me parece tão distante. É um dr. Frankenstein nato, que ao invés de odiar sua cria, fascina-se a ponto de apaixonar-se. E a paciência do Vicente (agora mulher) pareceu planejada, é como se entre ioga e cenas de caça ele encontrasse o equilíbrio vingativo.

Não digeri direito esse filme ainda, tenho muitas dúvidas e suposições ligadas inclusive à sexualidade que me despertaram no cinema.

Nada mais genial. Inspiração.