quarta-feira, julho 06, 2011

Bolinhas vermelhas e laço de fita nos cabelos

My baby don't care for shows, my baby don't care for clothes, my baby just cares for me...My baby don't care for cars and races...” cantarolava com o copo de whisky nas mãos. Andando pela casa. Costurara o melhor vestido para aquela noite. Escolhera as cores que faziam significado para os dois: vermelho e branco. O vestido era um modelo démodé, rodado, franzido e branco com bolinhas médias vermelhas, no cabelo uma fita vermelha e os sapatinhos – uma melissinha – também vermelha. Pouca pintura no rosto. Só os olhos eram bem marcados. E um tanto tristes e vazios... Havia sinais desse vazio além do olhar, no copo e no jazz na vitrola...

O relógio penava a mudar os números. Ela bebia como se isso lhe trouxesse uma certa tranquilidade e ingenuidade perdida...em algum lugar, outro tempo, ou talvez no armário da cozinha, do quarto, no armário do peito. Ou mesmo entre a linha e a agulha. Ela bebia...Bebia porque  precisava coragem para esperar... Porque a espera é cruel. Ela continuava a andar pela casa como se buscasse encontrá-lo em cada taco de madeira no chão, nas paredes, flores, adornos e no copo de whisky. Mas ele não estava lá. Nunca mais estaria. Todavia Nina Simone na vitrola remetia a uma esperança sem pressa, a qual a aquietava.

Há sentimentos sem complemento como a saudade. Há sentimentos clandestinos como a felicidade. E há sentimentos egoístas como se vestir para alguém que não apreciará sua roupa nova. E mesmo tendo essa certeza de que ele não a veria com o vestido feito por suas mãos,  a esperança da espera tornou-se um tipo de salvação. De que? Dela mesmo? Da sua loucura e dos seus possessivos perdidos num passado obscuro e cheio de máscaras? Ela riu. Riu de si mesma. Do ritual vão.Da humilhação diante de si mesma.

A música continuava a rolar... Agora a Nina em francês: sofria, implorava: “ Ne me quitte pas, Il faut oublier,tout peut s'oublier qui s'enfuit déjà. Oublier le temps des malentendus et le temps perdu a savoir comment. Oublier ces heures qui tuaient parfois a coups de pourquoi le coeur du bonheur...Ne me quitte pas...” A Nina parecia faca afiada ou mesmo coisa feita. Porque cortava seu corpo todo com sua voz, não somente sua alma. Ela estava marcada. O whisky com gelo parecia sua vida. Porque o gelo altera o sabor da bebida... e assim ela estava sem ele: alterada. Se matar? Passava a ideia por sua cabeça, porque diante de tanta saudade/desassossego a morte parecia uma amiga, um aconchego. Mas faltava-lhe coragem...Como ter coragem? Ela chorava, soluçava, dançava com o copo e cantava desesperada como quem implora uma ultima chance, não importando a humilhação: “ Et à t'écouter Chanter et puis rire...Laisse-moi devenir, l'ombre de ton ombre. l'ombre de ta main, l'ombre de ton chien...Ne me quitte pas...” cantava alto, muito alto, quase gritava no seu silencio crônico. Gritava para ele ouvir seu sofrimento. Porque sentir não adiantava mais...

Ela foi à janela. Chorou. Bebeu. Dançou. Amou. Cantou e caiu bêbada no chão. A noite acabou e com ela a esperança. A última...E o jazz continuou a rolar na vitrola...


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