sexta-feira, fevereiro 18, 2011

NEGRO DRAMA E ASSIM CAMINHA A SOCIEDADE...



Adoro confundir-me entre a realidade e a ficção. Visto que nunca sei até aonde vai essa linha divisória tão tênue que as divide... Talvez ela não exista. Enfim... Diálogos com mais verdade que se imagina. E um pouco de imaginação...


A história 

Rapaz negro entra na repartição pública. Sobe as escadas com o olhar acuado, assustado, talvez porque ele deva passar constrangimento por saber que na maioria das vezes será hostilizado. Ele veste um jeans surrado e rasgado (jeans surrado e rasgado numa pessoa branca seria coisa de gente descolada. #fato), camisa branca, mais amarelada – nesta hora me lembrei da grande Carolina Maria de Jesus quando ela afirmava que a fome era amarela. E talvez seja mesma...Será que Van Gogh sacava isso?  Bem, voltando a narrativa, eu ia descer  as escadas para almoçar e encontro com o moço no final da escada.
- Bom dia, senhora!
-Bom dia! Posso ajudá-lo?
- Desculpe subir assim. Mas é que acabei de sair da cadeia. Preciso voltar para casa e não tenho dinheiro – gastei tomando umas pinga. E também estou com fome. Eu sei que não se deve falar com ex-presidiário, mas...
Arregalei os olhos. Pois a última frase dele me comoveu e disse:
- Você pagou seu crime, não? Então, pare de bobagem. Farei assim: Te darei os 25 reais da passagem e a gente vai na padaria e você come o que quiser, ok?
Ele sorriu assustado ou desconfiado. Não sei bem. E disse:
-Nossa! Ninguém nunca me tratou assim. Eu sorri e descemos para padaria. Ele comeu, comeu, comeu... Quanta fome, era bonito de ver a forma que ele se alimentava. Eu admirada, pois adoro ver as pessoas comerem. Nos despedimos e ele disse:
- Daniela, nunca vou me esquecer de você. Eu sorri e voltei ao trabalho.
Na volta encontrei um amigo que presenciou a cena. E que me disse quase aos gritos:
- Você é louca? Ir com um bandido na padaria? Você nem sabe o que o cara fez? Nesta hora senti vontade de enchê-lo de socos. Mas agora treino a tolerância: Daniela Paz e Amor! Sorri e disse que tava com pressa. E sai correndo.  Na verdade, senti medo é deste amigo e das coisas que ele falou. Será que as pessoas estarão condenadas para sempre, sendo que já pagaram sua divida com a sociedade? Ou parafraseando Dostoievski , será que há pessoas que já nascem condenadas? Penso que Dostoiévski está mais certo que nunca... HÁ PESSOAS QUE NASCEM CONDENADAS E SEM DIREITO Á AMPLA DEFESA: O CRIME É  EXISTIR/TER NASCIDO. #fato

Comentários de uma blogueira nada limpinha e nada politicamente correta – porque às vezes o legal é imoral - :

O problema é que a sociedade ideologicamente é treinada para associar crime à pobreza (modo de se vestir, cor, aparência, entre outros.) é um tipo de condenação prisional para massa, porque há prisões piores que as grades. E o pré-julgamento é um deles. #FicaaDica

Conversando com meu colega (rotulado de ex-presidiário para sempre pela “sociedade”, porque dificilmente ele se livra desse estigma. E NÃO TERÁ DIREITO DE DEFESA. Triste, né?) percebi claramente que a prisão nada mais é que uma extensão da política neoliberal da criminalização da pobreza e o mais grave: As pessoas têm medo de negros, pobres, mal vestidos e de quem não segue um padrão aceitável socialmente. #fato Pois nossa sociedade neoliberal enxerga a prisão como fator de separação maniqueísta: o mau cidadão sempre está preso, mas fica a indagação: Quem é o mau cidadão? O que rouba para comer ou o de colarinho branco? Quem está por trás do trafico? Tenho certeza que não são moradores da favela. Os grandes chefões são outro tipo de gente. Aff  

Ou seja, o sistema quer criar inimigos para apenas consolidar ainda mais uma política separatista, a qual só não enxerga quem não quer. Talvez, por esses motivos a grande imprensa e a elite também criminalize os movimentos sociais. Percebem como a visão de crime é neoliberal. #fato

Enquanto isso o aprisionamento em massa é diário e é definido pela cor e pela classe social.  Para consolo deixo a voz do Mano Brown.


 PARA PENSAR: 


5 comentários:

El Adriano disse...

Excelente post, Dani.
É isso mesmo que acontece com ex-presidiário. Na minha família tenho dois tios que já foram presos e nunca mais conseguiram se recolocar no mercado de trabalho. Restou apenas os serviços braçais, como pedreiros ou voltar ao tráfico. É muito dificil levar uma vida onde quase todos o excluem por um erro. Erro esse em que o "bandido" acaba sendo mais vítima do que o própria "vítima". Eles, mais que ninguém são as vítimas do sistema.

"Dignidade ou desespero, trabalho ou inanição."

William Lima disse...

Querida amiga:
Nada mais emocionante na minha vida do que ter vc por perto!
Vc é o q se pode chamar de uma mulher digna! admirável!

Moabe disse...

Que atitude linda Dani. O que vc fez deveria ser feito por todos. Mas, hoje, infelizmente o correto, para este bando de preconceituosos, é rejeitar. Aff, olha onde chegamos. Mas é isto aí, cada um da aquilo que tem, as atitudes dizem tudo e fazem uma grande diferença.
O mundo precisa de mais, muito mais Danielas, mas tem que ser assim como você, com um alma extraordinária.

Anônimo disse...

Concordo contigo. Quando o sujeito "zerou" sua dívida com a sociedade ele tem que voltar a ser tratado como cidadão de bem.
Nem sempre eu tenho dinheiro no bolso pra ajudar, sou pobre também. Mas uma palavra amiga, carinho para com o nosso semelhante, isto todo mundo pode dar.

Elias.

@sobrecomum disse...

Uma questão que pode ter passado despercebida é a apropriação da pobreza por parte da indústria da moda que vende a cultura do pobre sem provocar a devida reflexão. Aconteceu com o punk, com o funk, com o hip hop pq na periferia a criatividade é alimentada pela necessidade. Lá o impreoviso e a adaptação é uma questão de sobrevivência. As grandes grifes observam essas práticas, como a calça rasgada que foi usada pelos hippies originalmente ou o cobertor de mendigo que virou poncho, o lenço palestino, símbolo da luta pelo reconhecimento de um território e a calça saruel que veio do marrocos. Todos esses usos e costumes são formatados em produtos de luxo e disputados por meninas e meninos ricos sem nem mesmo saber de onde veio essa inspiração, sem uma necessária reflexão.