quinta-feira, dezembro 16, 2010

A paixão por Dostoiévski: Entre o crime e o castigo: o homem!

"...Eu mesmo não compreendo nada do que sinto..." Ródia para irmã Dúnia....Crime e Castigo - pg 519

Acabei de reler, semana passada, a genial obra “ Crime e Castigo” do Dostoiévski( 1821-1881), confesso encontro-me perdidamente apaixonada pela mente/alma do escritor. Uma experiência diferente da primeira leitura aos 16 anos...Agora sinto a humanidade em cada linha do texto e sinto-me estranha, contudo cada vez mais consciente da minha condição humana:limitada e finita.

Também arrisco-me a dizer que a boa literatura é algo que cutuca, machuca e sempre visa uma ação do leitor. E essa ideia me remete a Sartre. Pois ele afirmava que todo artista deveria ser engajado para poder promover uma ação em seu leitor, uma vontade de mudança e de um mundo melhor. Na verdade Dostoiévski é tão genial que mesmo antes das ideias existencialistas no inicio do seculo XX ( o existencialismo foi difundido, principalmente, após a segunda guerra mundial) ele já as propagavas em sua literatura. Não só ideias existencialistas, mas da própria psicanálise. Dostoiévski entendia da humanidade.

Para ler “Crime e Castigo” é necessário antes despir-se de preconceitos morais/éticos, senão será difícil apreciar tão bela obra. É importante não julgar e entender as letras do autor: retratando da humanidade como ela é, sem máscaras, daí perceber toda nossa limitação. 



O livro conta a história de Raskólnilkov ( Ródia), um estudante que vive na miséria, dependente da mãe e cheio de dívidas. Devia para uma velha usurária, a qual para ele é o reflexo de todo parasita do mundo, e para salvar a si e sua família, decide matar o “piolho”. Mas eis que o destino coloca a irmã da velha em sua caminho e ele se vê obrigado a assassinar uma pessoa inocente. Ródia passa a obra toda perseguido pela memória do seu crime, sempre devorado pela sua moral e dúvidas. Passa a obra toda num extremo sofrimento. O sofrimento de não se arrepender...e de saber que derramou sangue inocente, pois para ele o da velha era necessário.


" Ainda se o destino lhe tivesse concedido arrependimento - um arrependimento lancinante que despedaçasse o coração, que tirasse o sono, e cujos tormentos são tais que um homem se enforca ou se afoga para lhe escapar! - Oh, ele tê-lo-ia acolhido com alegria! SOFRER E CHORAR - ainda é VIVER. Mas ele NÃO se arrependia de seu crime." Pg 546

Na verdade todos os personagens do livro são ricos/interessantes e demasiadamente humanos. Seria interessante abordar um a um, mas impossível em um post. Todas as personagens de Crime e Castigo transitam onde a realidade é o que é, sem fantasias; a pobreza oprime, a perversão, autodestruição, humilhação e a consciência podem levar a atitudes imorais. Ródia não é o único criminoso no livro, há crimes permitidos socialmente e que são mais perversos que o assassinato. Até que ponto um crime tem justificativa? E a sua condição social de miséria( financeira/alma) traz à tona o instinto de sobrevivência? O que é humano e natural? Questões que permeiam a obra toda, pois as personagens são cheias de vícios e instintos humanos aflorados, lutando para sobreviver numa sociedade hostil que os marginaliza.

Dostoiéviski propõe pensar suas personagens a partir do sujeito – assim como na filosofia existencialista – tomada pela existência concreta, suas escolhas, frustrações, ações, conquistas, frustrações, sentimentos, condição limitada e finita. Trabalhando em sua obra temas ásperos: angustia, desespero e morte. E para o autor esses temas revela-nos nosso próprio eu, percebo claramente a influência de Dostoiévski na obra de Sartre. Para os dois autores: A responsabilidade de nossas ações são somente nossas e qualquer tentativa de negar que somos responsáveis por nossas ações e pelo mundo é agir de forma covarde, já para o existencialismo é agir de má-fé. De certa forma ambos tecem uma critica a religião, a qual consideram a principal culpada de não nos deixar aceitarmos nossa condição humana e de que somos responsáveis por tudo. Afinal existe um Deus e a metafisica para explicar nossa condição atual.

“Ninguém pode ignorar o mundo e considerar-se inocente diante dele” Pg 525 


É bem interessante perceber na obra os diálogos densos e inteligentes entre Ródia e comissário de policia, sempre deixando nosso protagonista a beira de um surto psiquiátrico. E o leitor sempre torcendo para o moço conseguir sair do enrosco. Talvez porque nos vemos em Raskónikov. A partir da mente de Rodia, o autor nos mostra a relação de culpa e punição. E que talvez o castigo seja o sofrimento sem limite, o qual o protagonista é submetido durante toda obra. Dostoievski afirma que para algumas pessoas nascer foi o maior castigo que sofreram, ou seja o crime que cometeram é existir. Talvez seja isso...E se for até onde vai a culpa?

E por fim, Rodia conhece a redenção no amor ágape de uma prostituta (não é mera analogia ao evangelho), a qual lhe indica o caminho do arrependimento: o amor! Sendo esse a única salvação individual possível. Ródia se arrepende por ser amado demasiadamente.

“ O amor regenerava-os, o coração de um encerrava uma fonte de vida inesgotável para o coração do outro...Ele havia ressuscitado, sentia-o em todo seu ser renovado, e ela – ela só vivia a vida dele! ...No lugar da dialética surgira a vida, e n consciência devia elaborar-se algo inteiramente diferente. “ pg 552

Uma leitura que vale por anos de terapia. Enxergar-se e aceitar-se pela arte é a melhor maneira de ser. Quem gosta de boa literatura não deve deixar de ler. Bom, agora que q Dostoievski se tornou uma obsessão/paixão lerei “ Os irmãos Karamazov” , considerado por Freud – psicanalista- sua melhor obra. Penso que seja difícil superar “crime e castigo”, mas... vale a expectativa. Voilá!

"Dostoiévski é o único psicólogo com que tenho algo a aprender: ele pertence às inesperadas felicidades da minha vida, até mesmo a descoberta Stendhal." Nietzsche 

3 comentários:

William Lima disse...

Cara Daniela:
Primeiramente, obrigado pelo carinho, pelo café e pelo chocolate! Obrigado por existir!
Bom, seu texto com suas impressões do livro é fantástico. Mostra a síntese de uma literatura forte, com apelo artístico evidente: personagens complexos, complexidade da existência, o ser humano despido de romantismos...
A boa literatura é essa que se constrói mostrando a humanidade, a natureza do homem, criticando, desnudando nossa alma das roupagens hipócritas que a sociedade nos impõe que usemos...
Longe de toda essa cultura alienante que a mídia nos enfia goela abaixo: best sellers, campeões de audiência, etc. Longe de Paulo Coelho, de O segredo e de toda essa babaquice da auto-ajuda.
Você, como sempre, escrevendo bem.
Te adoro!
bjokas

Anônimo disse...

A senhorita Daniela é tão brilhante! Deu até vontade de reler a obra.
Te adoro! bjo do Júnior

Juliana disse...

adorei sua "resenha" muitissimo pessoal do livro e mesmo assim muitissimo válida! eu ainda nao o li, mas o farei em breve, se tudo der certo. bjos