sexta-feira, maio 21, 2010

Uma questão de visão - Daniela Bueno

Era uma família tradicional, pelo menos tentava ser, relativamente feliz. Porque felicidade é algo difícil de ter sempre. O que é algo? É uma palavra tão indefinida, com muitas coisas na vida. Esse tipo de palavra não deveria existir. Às vezes existem palavras que necessitam de tradução. Ana contava com 43 anos, uma mulher dedicada à família, aos filhos e ao marido. O marido era vendedor, contava com 47 anos, tipo galã de novela das 20h, olhos verdes, cabelos grisalhos e uma voz rouca. Era um tipo de Don Juan moderno, sempre com casos extraconjugais, mas Ana fingia não ver. Alias, Ana fingia muitas coisas e se escondia até de si mesma. A sua frase predileta era “ abri mão da minha vida pra cuidar minha família”, mas no fundo ela estava fugindo dela mesmo. Preferia viver a vida dos outros, porque viver a sua poderia ser doloroso de mais. E talvez ela não agüentasse por pura covardia. A vida de Ana era rotineira. Acordava às 6h para preparar o café da manhã dos filhos, para arrumar as roupas do marido ir trabalhar. Seu marido viajava toda segunda e só retornava em casa na sexta, ele vendia produtos odontológicos. Mas no fundo, essa ausência era um alivio pra Ana. Ela não suportava os finais de semana. E o pensamento que teria uma cama e um quarto só pra si acariciava sua alma. As 7h30 Ana levava os filhos no colégio, voltava para casa e fazia os afazeres domésticos. Limpar, lavar, passar e cozinhar. Ana odiava serviços domésticos, mas ainda não tinha noção disso. Mas, só de ela pensar em fazer seus deveres, vinha uma fadiga e um nó bem embaixo do peito. Às vezes ela torcia para ser um enfarte. Tinha momentos que ela desejava a morte. Voltando a sua rotina, as 12h ia buscar os filhos no colégio, dar almoço e depois ensiná-los a fazer o deveres da escola, depois supermercado e levar os filhos para natação , as 18h era hora de preparar o jantar, depois lavar a louça. Alias, a pia é a pior inimiga das mulheres. E encará-la era preciso coragem. Ainda mais de ter jantado e ter cuidado de dois filhos o dia todo. As 21h colocava os filhos para dormir. Assim era sua vida: rotineiramente igual... E assim ia levando. Um dia quando saia do supermercado sozinha, pois os filhos estavam na aula de natação no horário das compras. Sentiu falta de ar e quase desfaleceu. Foi ajudada por uma moça cega. Que não passava dos 19 anos... Desde que nasceu já fora condenada a escuridão. A moça estava acompanhada de um cão labrador caramelo, que lhe parecia tão fiel que chegava doer no peito. A moça muito prestativa perguntou se Ana gostaria de algo. Ana pediu para se sentarem. E o cachorro e a nova amiga o conduziram ate o estacionamento do mercado onde haviam alguns baquinhos de cimento. Ela se sentou. E a garota perguntou-se o que estava se passando. Ana não conseguia responder. Apenas sabia que tinha uma dor no estomago. O cachorro lambeu-lhe a mão. Ana agradeceu o carinho com uma passada de mão na cabeça do bichinho. Agradeceu a menina. E se despediram. Ana começou a entender certas coisas. Começou a entender certas coisas. A escuridão não significa simplesmente enxergar o que os olhos viam... Que escuridão é não enxergar o que tem dentro da alma. É não enxergar os anseios do coração. E chorou. E levantou-se para voltar a sua vida, com a sensação que nada poderia ser como antes. E partiu.

TRILHA SONORA - UM GIRASSOL DA COR DO TEU CABELO - IRA http://www.youtube.com/watch?v=OClmXY689-Q
Vento solar e estrelas do mar a terra azul do cor de seu vestido... vento solar e estrelas do mar vc ainda quer fugir comigo? vento solar e estrelas do mar vc ainda quer fazer amor comigo? Se eu cantar não chore não...é só poesia... Eu só preciso ter vc por mais um dia... Ainda gosto de dançar bom dia...Como vai vc? Sol girassol verde vento solar... vc ainda quer dançar comigo? vento solar e estrelas do mar um girassol da cor do seu cabelo se eu morrer não chore nao...é só a lua... é seu vestido cor de mar...a filha nua! Ainda mora nesta mesma rua Como vai vc? Vc vem? Ou será q é tarde demais... A terra azul da cor de seu vestido um girassol de seu cabelo o meu pensamento tem a cor de seu vestido como um girassol q tem a cor de seu cabelo..." Um girassol da cor de seus cabelos - Ira Albúm: Isso É Amor ( 1999)

3 comentários:

Anônimo disse...

Senhorita Daniela,

O amor sempre cairá no tédio? Vamos pensar de uma forma mais otimista. rs
Vc não falou dele. rs
Adoro vc!
bjos
Junior

Anônimo disse...

"Vento solar e estrelas do mar
a terra azul do cor de seu vestido...
vento solar e estrelas do mar
vc ainda quer fugir comigo?
vento solar e estrelas do mar
vc ainda quer fazer amor comigo?"

Percebi que a senhorita dos lencinhos modificou a letra da canção, por quê?
Belo texto, realista na medida certa.
Tenho te seguido no twitter e por aqui e verifico que suas considerações são sempre pertinentes. E sua literatura é ótima e apaixonante.
Parabéns!

William Lima disse...

Daniii,

O anônimo acima tem razão: sua literatura é ótima e apaixonante! Ah, quanto amor!!!


"escuridão é não enxergar o que tem dentro da alma. É não enxergar os anseios do coração"

Enxergar é mais do que apenas ver, realmente. A visão é um dos nossos sentidos, mas nossa percepção não se resume a ela apenas.

PS: adorei nosso café na quarta! sua companhia me mata... de tanta alegria.