Ergueu o volume do rádio porque queria quebrar o silêncio
com acordes sutis. Não. Ela queria de fato destruir o silêncio com acordes nada
sutis. Todavia conteve-se, porque estava acostumada a se conter para tentar
viver. O telefone tocou. Mesmo sem vontade
para atender - porque há dias assim, nos quais tudo parece não fazer sentido –
levantou-se, abaixou o rádio, maldisse o toque do telefone e atendeu. Era ele.
Doce e calmo como sempre. Tão seu revés e tão complementar ao estilo da moça agitada.
- Oi.
-Oi. Disse ela com a voz tremula. Já havia reconhecido a
voz.
- Eu nem sei o motivo da ligação, nem sei o que dizer. Sei
que queria ouvir a sua voz e saber que estás bem. Disse ele engolindo as
vogais. Porque quando se está nervoso se engole as vogais. De “a a u” todas são comidas.
Ela engoliu o mundo e disse:
-Eu pensei em você. Em Brahms e nos nossos acordes nada
sutis. Ouvir Brahms é de um romantismo agressivo. Nem sei o que digo. Ela podia
sentir o olhar do moço entre a linha, ela e Brahms. Ele disse sorrindo:
- É algo no teu sorriso que quebra o meu silêncio. Todos. Mesmo
os mais internos e necessários. É algo quando você articula a boca, gesticula,
se expressa que está além de qualquer entendimento. É o teu sorriso que é mais lindo que todo o movimento romântico.
Mais que isso... ele quebra um padrão pré-definido pelos conceitos estéticos de
tão lindo. Não há ideologia pra definir isso. É ele que dialoga todos os dias com meus
sonhos e um mundo que eu ainda nem sei se poderá existir. Entende?
- Acho que preciso ouvir música. Disse ela agitada e mexendo
nas mãos. Mexia os dedos suados e tinha medo que ele notasse tanta ansiedade.
-Você vai viver a vida tentando tapar os buracos do
silêncio? Vai passar a vida a buscar
acordes sutis? Você gosta de Brahms e ele não é sutil. O que há contigo?
Indagou ele como se a fitasse de fato.
Ela podia sentir o olhar daquele homem e respondeu.
- Talvez seja o
horizonte de evento. É lá que eu estou. Compreende? Sempre gostei de
astronomia. Nos buracos negros não há
sons. Nem luz. Nem corpos. Mas há a possibilidade de outra dimensão. Assim como
me sinto ao pensar em te olhar. Seu olhar me causa medo. Assim como ouvir Schoenberg
e sua subversão tonal. Acho que estou
louca. Preciso ouvir música.
Ele riu. E disse:
- Eu só liguei para dizer
que apesar dos movimentos, do tempo, do espaço, de Schoenberg, Bach ou
Brahms...tudo ainda permanece igual, sem sons sem você. Mas com você uma
mistura de tudo...de todas as notas e sentidos: a explosão de um supernova.
Algo sem controle. Mas a única verdade é que te amei, te amo e te amarei para
sempre. Ela desligou o telefone e o rádio. Sorriu. Agora era tudo silêncio.